O comércio com a África floresce novamente em 2024
As exportações atingiram a marca histórica de US$ 15,86 bilhões, mas ainda estamos longe do pico de participação no mercado africano, atingido em 2007
Em 2024, as exportações brasileiras para a África atingiram novo recorde histórico, com vendas de US$ 15,86 bilhões, um aumento de 20,5% em relação ao ano anterior. Para alguns países, como o Egito, as vendas brasileiras aumentaram muito acima dessa média. No caso do Marrocos, por exemplo, pela primeira vez, desde 2010, o Brasil obteve um superávit comercial. Considerado como mercado agregado, a África seria, em 2024, o terceiro maior mercado para os produtos brasileiros, atrás apenas da China e dos EUA, tendo ultrapassado, assim, a Argentina nesse hipotético ranking. O mercado africano foi menor do que o agregado da União Europeia e do Mercosul, mas, nesse último caso, a diferença caiu, entre 2023 e 2024, de mais de US$ 10,4 bilhões para apenas US$ 4,4 bilhões.
Em 2024, foram abertos, por meio de certificação específica ou acordos de acesso, 28 novos mercados para produtos brasileiros na África, de 167 novos mercados abertos pelo Brasil no mundo. Em 2023, já haviam sido abertos 11 mercados no continente, dentre os 152 novos mercados para produtos brasileiros naquele ano. A APEX identifica mais de 6.000 oportunidades de mercados específicos no continente para produtos brasileiros.
O aumento percentual das exportações brasileiras para a África em 2024 foi o maior dentre todos os continentes e regiões, e mesmo considerando os valores absolutos, o aumento foi significativo, de US$ 2,7 bilhões, compatível, inclusive, com os aumentos nas exportações para a América do Norte, de US$ 3,2 bilhões, para o Oriente Médio, de US$ 2,9 bilhões, e maior do que o aumento das exportações para a Europa naquele ano, de US$ 2,3 bilhões. O resultado do ano confirmou a tendência verificada já no primeiro semestre de 2024, quando as exportações para a África já haviam saltado 21,4%. Com isso, o fluxo total de comércio com a África atingiu, em 2024, seu segundo melhor resultado histórico, com US$ 24,25 bilhões - atrás apenas do resultado observado em 2008 -, com aumentos significativos também no lado das importações.
A participação da África no total do comércio exterior do Brasil saltou de 3,5% em 2023, para 4%, em 2024; e a África comprou 4,7% de todas as vendas internacionais do Brasil em 2024, contra 3,9% em 2023. São resultados significativos, mas, em termos de peso na pauta brasileira, ainda está longe dos 7,2% que a África chegou a ocupar em 2007, e, em relação ao fluxo total, não chegou a ultrapassar, nem mesmo em termos nominais, o resultado alcançado em 2008, quando o comércio entre o Brasil e a os países africanos atingiu US$ 26,86 bilhões, em um contexto regional e global agregado muito menor do que o atual. Uma diferença importante do momento atual para aquele é que, em 2024, o Brasil registrou superávit de US$ 7,5 bilhões na relação comercial com a África, enquanto a balança de 2008, quando o fluxo bilateral atingiu seu pico, o país apresentava um déficit de US$ 6,5 bilhões.
Trabalho Conjunto
É notável que esse aumento tenha ocorrido mesmo num contexto de queda dos preços dos produtos exportados pelo Brasil para a África, de cerca de 2,3% . O resultado deve-se, assim, ao aumento da quantidade exportada, fruto de esforços conjuntos realizados nesse período pelo MRE, MDIC, MAPA e APEX, como a citada abertura de mercados e a priorização do mercado africano na agenda da APEX. A agência realizou, em junho de 2023, reunião com 21 representantes dos setores de promoção comercial – SECOM - das embaixadas brasileiras na África. A reunião contou ainda com a presença de representantes do MAPA - em 2024, o órgão ampliou de quatro para sete o número de adidos agrícolas lotados em embaixadas na África . Em 2024, a APEX também realizou, em junho, em Joanesburgo, rodada de negócios com empresários brasileiros com foco na África Austral. Participaram do encontro 23 empresas nacionais - um número significativo, mas aquém das 30 vagas abertas - fenômeno que não ocorre nas missões da agência para a Europa e EUA. Mesmo assim, foi possível organizar missão empresarial multissetorial brasileira, em agosto de 2024, com mais de 20 empresários que mantiveram agendas com compradores e autoridades na Namíbia, Botsuana, Moçambique e Tanzânia. Para o início de 2025, a APEX montou um programa similar, agora passando por Nigéria, Gana, Côte d’Ivoire e Senegal. Também estão planejadas pela agência participações brasileiras mais robustas do que no passado recente em feiras comerciais em Luanda e Maputo. Em esforço paralelo, a Suframa assinou, em 2023, acordo com Angola para prestar consultoria para a instalação de uma eventual iniciativa de Zona Franca similar naquele país africano. No médio prazo, pode representar uma oportunidade para empresas brasileiras.
Frente ao tamanho do desafio, tudo isso ainda parece pouco, especialmente porque alguns de nossos competidores na região, como Rússia, Emirados Árabes Unidos e Turquia, aumentaram sua participação de cerca de 1% do mercado africano em 2002, para mais de 3% em 2022 - contra 1,8% de participação brasileira nas importações africanas daquele ano. A pauta de exportação desses países evoluiu no grupo de médio e alto valor agregado - por isso, o aumento exponencial dos nossos concorrentes -, enquanto na do Brasil, 74% do total exportado se refere a alimentos, muitos não-processados, como milho e soja. A Câmara de Comércio Exterior, Camex, indicou preocupação com o tema e, na primeira reunião do recém recriado Conselho Consultivo do Setor Privado, Conex, em abril de 2024, tratou do comércio com a África como questão prioritária.
Com o avanço verificado em 2023, tanto nas exportações para a África como no agregado total, voltamos a encostar em países que nos tinham ultrapassado no relacionamento com a África, como o Vietnã. Com os resultados de 2024, é possível que o Brasil tenha ultrapassado o país asiático. O comércio com a África, entretanto, segue concentrado, com 66% das vendas realizadas, tanto em 2023 como em 2024, sendo destinadas apenas aos cinco maiores compradores - em geral, Egito, Nigéria, África do Sul, Argélia e Marrocos. Dessa forma, em 2023, o fluxo havia ultrapassado US$ 500 milhões com menos de 10 parceiros, sendo relativamente baixo mesmo com alguns PALOPs, incluindo o outrora próximo Moçambique.
Há, entretanto, possibilidades à vista no médio prazo em outros países além dos principais mercados. O conflito na Líbia ainda se arrasta, mas o país, quando estabilizado, será um mercado potencial, especialmente se as empreiteiras brasileiras recuperarem sua capacidade de investir e atuarem na reconstrução do país. O setor de hidrocarbonetos em Moçambique e na Namíbia, apesar da saída da Petrobras dos projetos de prospecção, mais de 10 anos atrás, se demonstraram produtivos, o que também pode ser uma oportunidade para o Brasil. Trata-se, nesses casos, de áreas e setores de interesse global, o que indica a necessidade de articulação de alto nível, não sendo possível a uma embaixada isoladamente fazer avançar esses diálogos. A companhia vem se movimentando, e já aprovou operações em São Tomé e Principe, em parceria com a Shell, em 2023, e na África do Sul, com a Total, em 2024. Avalia, também, passar a operar brevemente na Namíbia, em eventual aquisição de ativos da portuguesa Galp, além de Angola, Serra Leoa, Guiné Equatorial, Guiné, Libéria, Benim e Côte d’Ivoire.
O comércio com a África retomou, ao menos parcialmente, a prioridade que tinha no primeiro mandato de Lula, mas o comércio regional e global estão em outro patamar atualmente. Em 2002, as exportações para a África foram de apenas US$ 2,36 bilhões. Em 2022, mesmo com um período de estagnação nos anos anteriores, essas exportações foram cinco vezes maiores, atingindo US$ 12,74 bilhões. O comércio global e o mercado externo africano, entretanto, também quintuplicaram. Assim, a participação brasileira sobre as importações africanas em 2002 e em 2022, 20 anos depois, foi idêntica, com apenas 1,8% do total, muito longe do pico atingido em 2006, quando o Brasil foi responsável por 2,6% do total importado pela África. Considerando o valor total importado pelo continente em 2022, o Brasil precisaria ter vendido para África naquele ano 50% mais, ou cerca de US$ 18,5 bilhões para atingir o nível de participação de 2006. Em 2023, as exportações brasileiras para a África já haviam batido seu recorde histórico, com vendas de US$ 13,18 bilhões. O volume do comércio com a África sobre o total do fluxo do comércio exterior brasileiro, entretanto foi o mesmo do ano anterior, de apenas apenas 3,5%, quase o mesmo nível da década de 1940, um dos momentos históricos de maior distanciamento do Brasil com aquele continente. Os resultados de 2024 são auspiciosos, mas ainda estamos longe dos anos de ouro do comércio bilateral, e muito ainda precisa ser feito.